Crónica de Alexandre Honrado – O fantoche que há em todos nós

Alexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
O fantoche que há em todos nós

 

Haverá algum mundo paralelo onde sejamos capazes de reconfigurar o sensível? É no mundo sensível que podemos criar um antipoder, onde podemos modificar o mundo egoísta e bélico, produtor dos níveis de dominação e de destruição, que impedem a construção do futuro, um espaço ideal em que (nos) transformamos em seres e coisas sustentáveis e de vocação de proximidade e aceitação de todas as diferenças, afinal aquilo que conhecemos por democracia e que traímos a cada passo. Imaginamo-lo movido por processos tensos de estética, de arte, de cultura, de inovação, de renovação. Será uma utopia entre tantas? Insisto: haverá algum mundo paralelo (a este que nos oprime) onde sejamos capazes de sobreviver com novos modelos – pedagógicos, educacionais, transformadores dos modelos esgotados das realidades sociais e económicas – que nos levem ao topo do igualitário, à plataforma da equidade, da transformação dos modos de existência?

Parece um ponto de partida de reflexão um pouco difícil, mas vendo bem as coisas é de uma simplicidade confrangedora. É a minha reflexão de hoje, não a estraguem.

Somos contemporâneos de formas de desilusão, pouco nos resta de utopias sensatas e adoráveis, ou de benéficas esperanças, todavia nunca tivemos tanto desenvolvimento, tanta luta científica contra as adversidades, por exemplo das doenças e dos incómodos biológicos, nunca conseguimos tantas vitórias sobre as nossas primitivas inquietações. Precisamos de um mundo paralelo, onde retemperar forças e partir para outros lugares de nós.

Esta minha secreta esperança anima-se ao ler as ideias de Rich Terrile. Não pense tratar-se de mais um louco à solta, pois dificilmente um maluco chegaria a diretor do Centro de Computação Evolucionária e Design Automativo no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. Terrile apoia-se numa teoria que me acalma e acaba por reconciliar-me com alguma esperança perdida. Na sua opinião (hipotética mas bem fundamentada), a nossa vida não passa de uma simulação controlada por uma espécie de “programador” e o responsável por esse controlo estará algures…no futuro.  O simulador seria capaz de criar a nossa realidade e simular o curso da humanidade, por vários motivos, desde pura diversão até pela recriação pedagógica dos momentos da História. Com um poder tão grande que seria capaz de controlar todas as pessoas que vivem no mundo e fazer com que todas sintam, ajam e nunca desconfiem que estão sob o seu controlo.

Nick Bostrom, chefe do Oxford University Future of Humanity Institute, começou a encarar esse conceito como algo possível. E com ele já são muitos os filósofos e outros cientistas que se atrevem a aceitar a hipótese. Isso retira das minhas prioridades a procura de um mundo paralelo, um refúgio,  um cérebro matricial onde possamos repensar-nos. O tal superintendente do futuro tratará de nós, frágeis marionetas da sorte. A ideia agrada-me. Escravos, vítimas, oprimidos teriam o mesmo papel primordial que os amos, os algozes, os opressores; teriam o mesmo destino de fantoche em cena seguindo um guião inútil. Seria a oportunidade de sermos todos diferentes, todos iguais. Uma utopia, como outra qualquer.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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